#MudançaClimática 26/03/2019

Águas quentes, corais brancos: e eu com isso?

Em tempos de estereótipos, reconhecer corais como animais é tarefa complicada para muitos seres humanos. Mas o fato é que esses organismos são animais e pertencem a uns dos filos mais antigos ainda viventes, denominado Cnidaria, parentes próximos das águas-vivas e das anêmonas-do-mar.

Antigo aqui não significa simples, pois tanto as estruturas quanto as relações que as diversas espécies desenvolveram com outras são impressionantes, principalmente a simbiose (indivíduos de espécies diferentes dependem um do outro e ambos se beneficiam com essa relação) com as microalgas zooxantelas. Estas algas vivem nos tecidos dos corais e são responsáveis pela coloração dos mesmos. Além da cor, ao realizarem a fotossíntese entregam açúcares e outros compostos orgânicos aos corais, auxiliando-os no aumento da taxa de absorção dos itens indispensáveis para sua estrutura corpórea: os íons de cálcio e carbonato, que combinados formam o carbonato de cálcio (CaCO3). Em contrapartida, os corais oferecem um substrato-abrigo para as algas. Essa relação simbiótica ocorre sob determinadas condições dos fatores abióticos como temperatura, luminosidade, salinidade e sedimentação, para citar alguns. Mas o que acontece quando o nível de um fator (ou mais de um) sofre alteração? Neste caso, a relação simbiótica pode entrar em colapso e passar a não ser vantajosa para uma ou ambas espécies. Com temperaturas acima de 28ºC é possível que as microalgas abandonem os corais ou simplesmente seus pigmentos (cores) fotossintetizantes sejam destruídos, ocasionando a perda da cor “natural” do coral tornando-o esbranquiçado, deixando seu esqueleto de carbonato de cálcio à vista.

É importante ressaltar que oscilações na temperatura são naturais e já ocorreram diversas vezes na história das comunidades recifais. A preocupação dos pesquisadores é com a frequência, duração, quantidade de corais afetados e o acúmulo com outros fatores de estresse ambiental — como sobrepesca, poluição e proliferação de algas —, que reduzem a capacidade dos corais de sobreviver ao branqueamento. Se o fenômeno ocorrer durante determinado período de tempo pode ocasionar a morte do coral, embora a recolonização das microalgas seja possível.

Eventos desta natureza são relatados no Brasil desde os anos 80, sendo que o monitoramento científico acompanhou os eventos em 1999, 2010, 2014 e 2016 (associados à ocorrência do El Niño). Já no início de 2019 o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE) e o Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – instituições responsáveis pelo monitoramento dos corais no Brasil através do programa Reef Check Brasil – receberam relatos de branqueamentos no extremo sul da Bahia. No Arquipélago de Abrolhos (BA) os alertas emitidos pelo órgão estadunidense de pesquisa atmosférica e oceânica NOAA mostraram a região com o nível mais crítico de alerta (fig.1 e 2).

Figura 1. Mapa do Coral Reef Watch (NOAA) de 17/03/2019 – Fonte: NOAA
Figura 2. Gráfico mostrando a relação entre elevação das temperaturas e os alertas entre 2018 e 2019 – Fonte: NOAA

A equipe do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (PARNA) e os condutores de visitantes foram os primeiros a levantar esse alerta. Posteriormente um grupo composto por membros do parque e do CEPENE foi a campo, no início de fevereiro, para observar os corais e verificou a ocorrência do branqueamento em algumas espécies, como Millepora alcicornis (coral-fogo, fig.3) e posteriormente, em março, Mussismilia braziliensis (coral-cérebro, fig.4).

Figura 3. Millepora alcicornis esbranquiçado em Abrolhos- Fotografia de Maria Bernadete Silva Barbosa, 2019.
Figura 4. Mussismilia braziliensis esbranquiçado em Abrolhos – Fotografia de Maria Bernadete Silva Barbosa, monitora ambiental do PARNA Abrolhos, 2019.

De acordo com Lucas Cabral Ferreira, membro do programa de pesquisa e monitoramento do parque, o branqueamento não atinge todos os indivíduos, mas a situação é de atenção (uma pesquisa recentemente publicada na revista Coral Reefs e realizada na região estudou o mesmo fenômeno entre 2014 e 2016, indicando na época uma mortalidade de 3%.). Ele afirma que a equipe tem realizado o monitoramento seguindo os protocolos específicos de avaliação do branqueamento (Reef Check), bem como o acompanhamento semanal das colônias através de fotografias. O pesquisador ainda considera que a tendência é que as temperaturas diminuam, mas o problema é saber quando isso ocorrerá e os impactos naquela comunidade, embora historicamente os corais de Abrolhos aparentem resistência ao aquecimento. A pergunta que fica é: até quando resistirão? Os corais-de-fogo são os únicos corais ramificados do Atlântico Sul, e por isso atendem a uma demanda ecológica essencial nos recifes de Abrolhos, servindo de refúgio para peixes jovens e outros pequenos organismos que precisam se esconder de predadores. Uma vez mortos pelo branqueamento, eles são rapidamente cobertos por algas e perdem essa função.

Para o chefe do PARNA Abrolhos, Fernando Repinaldo Filho, o branqueamento traz um alerta e nos convida à reflexão sobre o impacto das mudanças climáticas sobre as nossas vidas: “Quando vemos um coral branqueado, mais do que apenas um problema com o recife de coral em si, estamos falando de um problema sobre um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo”. Os corais são a base biológica de todo o ecossistema recifal. Sua morte transforma o recife num bloco mineral que deixa de promover os serviços biológicos essenciais para o ecossistema marinha, impactando toda a teia alimentar e levando inevitavelmente à diminuição da biodiversidade. Utilizando uma comparação feita pelos próprios pesquisadores, “é como se uma floresta tropical se transformasse num terreno baldio”. Eles ainda afirmam que o rompimento desse equilíbrio normalmente representa o início de uma sequência de danos ao meio ambiente, com reflexos também na questão sócio-econômica relacionada às comunidades locais, pesca artesanal e o turismo, que utiliza o mergulho em recifes como opção nas viagens ao litoral brasileiro.

Quando vemos um coral branqueado, mais do que apenas um problema com o recife de coral em si, estamos falando de um problema sobre um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo.

 

Sendo assim, fica claro que a conservação dos oceanos e da biodiversidade que ele abriga é prioridade, não exclusiva dos cientistas e conservacionistas. O cidadão pode colaborar com registros e informações através do projeto de Ciência Cidadã “De olho nos Corais” (realização do Laboratório de Ecologia Marinha da UFRN e tem o apoio do Instituto Serrapilheira, fig.5), onde a participação é possível por meio de fotografias e hashtag #DeOlhoNosCorais que são monitoradas pelos pesquisadores que utilizam as imagens para complementar seus estudos.

Figura 5. Página no Facebook do projeto “De olho no Corais”. Fonte: Reprodução Facebook: @DeOlhoNosCorais

Chegamos assim no ponto de convergência, onde a participação de todos os atores sociais é fundamental para que estratégias de conservação possam efetivamente produzir o impacto positivo esperado. Mesmo que nesse caso a provável causa não seja diretamente humana, podemos ajudar na solução.


Esse texto foi construído por Marcio Motta em parceria com o VIVA, Baleias, Golfinhos e cia.

Conheça o trabalho desenvolvido por ele no  TentilhãoBossanova  https://tentilhao.bio.br/2019/03/22/aguas-quentes-corais-brancos-e-eu-com-isso-2/#more-669

Agradecimento especial:
Fernando P.M. Repinaldo Filho, Maria Bernadete Silva Barbosa (Berna) e Lucas Cabral Ferreira, membros fundamentais da equipe do PARNA Abrolhos (http://www.icmbio.gov.br/parnaabrolhos/) que gentilmente conversaram conosco e cederam material imprescindível para a construção do texto.

Fontes consultadas:
Calheiros, C. Ameaça aos recifes de corais brasileiros. https://www.oeco.org.br/reportagens/24960-ameaca-aos-recifes-de-corais-brasileiros/. Acesso em 17/03/2019

Escobar. H. Recifes em risco. http://infograficos.estadao.com.br/especiais/recifes-em-risco/. Acesso em 18/03/2019

NOAA Coral Reef Watch. 2018, updated daily. NOAA Coral Reef Watch Version 3.1 Daily Global 5-km Satellite Coral Bleaching Degree Heating Week Product, Jun. 3, 2013-Jun. 2, 2014. College Park, Maryland, USA: NOAA Coral Reef Watch. Data set accessed 2018-09-01 at https://coralreefwatch.noaa.gov/satellite/hdf/index.php. Acesso em 17/03/2019

Teixeira, C.D., Leitão, R.L.L., Ribeiro, F.V. et al. Coral Reefs (2019). https://doi.org/10.1007/s00338-019-01789-6. Acesso em 20/03/2019

El Niño timeline. http://ggweather.com/enso/oni.htm. Acesso em 19/03/2019

Projeto “De olho nos Corais”. https://www.facebook.com/DeOlhoNosCorais1/?ref=page_internal. Acesso em 20/03/2019

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